2008-11-12

A que problemas socioeconómicos dá resposta o RB?

O RB, na medida em que é uma forma de acesso ao rendimento e portanto um mecanismo para a sua redistribuição, constitui uma medida de política social que pretende fazer face a diversos problemas sociais. A pobreza, desemprego, precariedade laboral e a desigualdade de género são resultado do modo de organização das sociedades capitalistas modernas baseadas em relações de poder social e económico de carácter assimétrico e de dependência. Face a este problemas, as medidas assistencialistas –subsídios condicionados – assumidas até ao momento por governos nacionais e organismos internacionais revelaram-se insuficientes quando não eficazes.

O processo de globalização económica neoliberal caracteriza-se por uma redistribuição da riqueza dos pobres para os ricos em quase todos os países, por um lado, e dos países pobres para os países ricos, por outro. Nos últimos quarenta anos, produziu por todo o mundo grandes bolsas de desemprego, precariedade laboral, exclusão e pobreza.

Em linhas gerais, pode afirmar-se que as políticas sociais actuais sofrem de um desfasamento notável relativamente às políticas económicas, pouco a pouco os objectivos das políticas sociais vão ficando reduzidos a tentar recolher o que a política económica vai excluindo. Os subsídios de reinserção servem como paliativos para os desequilíbrios de um sistema gerador de exclusão. A política social, longe de centrar a sua acção sobre as causas da pobreza e exclusão, acaba por constituir um instrumento que se limita a actuar sobre as consequências de uma política económica que beneficia sistematicamente os mais ricos.

Actualmente, contam-se já em Portugal por milhões as pessoas situadas abaixo do limiar de pobreza. A precariedade laboral e as condições desfavoráveis de trabalho não afectam de igual modo os diferentes estratos da população trabalhadora. Os jovens e as mulheres apresentam os índices mais elevados de desemprego e precariedade. As novas circunstâncias económicas e sociais que rodeiam os fenómenos de um desemprego que castiga um número cada vez maior de mulheres, famílias mono parentais, jovens e maiores de 50 anos, entre outros, e a crescente dificuldade em superar as situações de pobreza por via do emprego, superaram as fundações em que assentam os sistemas actuais de subsídios condicionados, tornando evidente a necessidade de avançar com propostas alternativas de políticas públicas que enfrentem as causas de tais problemas sociais. Na União Europeia, zona privilegiada relativamente a outras zonas do mundo, quase 4% da população são working poors, e 10% da sua população é constituída por famílias assalariadas pobres. Mesmo na Alemanha, onde os working poors constituem neste momento uma percentagem reduzida da população em comparação com outros estados da União, são já mais de 4 milhões as pessoas em famílias onde, apesar de haver quem trabalhar, se é pobre. Para o conjunto da União Europeia, existem cerca de 40 milhões de pessoas nesta situação.

Esta realidade é um motivo para se tomar muito seriamente em consideração a necessidade de novas formas de acesso a rendimentos desvinculados da realização de uma actividade remunerada pelo mercado laboral. Continuar leitura!

Quais as resistências intelectuais que enfrenta uma medida como o RB?

O RB, como qualquer proposta de renovação social, tem de superar um bom número de resistências intelectuais.

Uma delas é de natureza ética ou normativa e pode resumir-se nas seguintes perguntas: o RB é justo? Quem não queira trabalhar de forma remunerada no mercado de trabalho tem direito a receber incondicionalmente um rendimento? Outra resistência intelectual é de carácter exclusivamente técnico e questiona a viabilidade da medida: poderá ser uma ideia muito bonita mas não será mais que uma fantasia?

Existe um outro tipo de resistência, que não se pode qualificar propriamente como intelectual, que resulta essencialmente de uma aversão à mudança e da inércia social tendente a a manter o status quo. Para que uma ideia, uma proposta, sejam socialmente aceites, não basta que apareça como justificada ou viável. É requerido um certo consenso social e uma conjunção de interesses que provoque a actuação dos actores sociais no sentido da concretização da proposta. O exemplo paradigmático desta resistência é o do sufrágio universal: surgiram todo o tipo de desculpas e pseudo-razões, desde considerar-se os escravos como coisas, o direito de voto limitado aos proprietários dado serem os únicos que tinham algo a ganhar ou perder com o jogo eleitoral, ou, por último, a argumentação mais aflitiva contra o voto feminino baseada em argumentos peregrinos do mais diverso teor. Todo este argumentário provocou que a aceitação do sufrágio universal tenha sido uma conquista praticamente do sec. XX na maioria dos países do mundo. Não basta pois uma justificação ética ou uma viabilidade teórica. São imprescindíveis maiorias sociais e políticas para superar certas resistências. Continuar leitura!

2008-11-11

Não seria melhor garantir o direito ao trabalho?

Vale a pena começar por examinar o que se quer dizer com “direito ao trabalho”. Será um direito legalmente estatuído, de tal modo que possa ser reclamado num tribunal? Implicaria o dever de trabalhar para toda a população apta, à semelhança das leis “anti-parasitas” da antiga URSS ou das leis “anti-mendicidade” do salazarismo?

Tal direito, para ser aceite, deveria: 1 – ser um direito a uma remuneração suficiente (e não o “direito” que já existe a trabalhar grátis) e a condições laborais dignas; 2 – ser o trabalho socialmente útil ou ético (conseguir o pleno emprego através do fabrico de armas ou poluindo não parece ter grande sentido); e 3 – ter algum sentido para o trabalhador (oito horas diárias a preencher envelopes…!).

Como alternativa ao RB, o direito ao trabalho teria de preencher aquelas condições, cujo cumprimento é bastante duvidoso. Por um lado, cada vez é necessário menos trabalho para uma produção de bens crescente. Além disso, a criação de empregos dignos, úteis e com sentido, saíria bem mais caro que o RB, atendendo aos custos salarias, de infraestrutura, organização e supervisão que tal medida acarretaria. Mas ainda outras questões: que trabalhos teria de aceitar quem reclamasse o seu direito? Poderia exigir-se mudança de residência, de profissão ou de categoria laboral? Como se determinaria a utilidade social dos trabalhos? Como seriam distribuídos os trabalhos desagradáveis mas necessários? Quais as medidas a tomar em caso de recusa dos trabalhos garantidos pelo estado? Como poderia um emprego resultado de um direito outorgado pelo estado dar reconhecimento social (supõe-se que esse é um dos objectivos do direito ao trabalho) em vez de estigmatizar (como seria o caso de um emprego caritativo ou artificial)?

O RB constituiria uma via muito mais barata, eficiente e equitativa de induzir e favorecer uma melhor repartição do trabalho social – não só do emprego assalariado –, e de o fazer de uma forma não coerciva ou autoritária.

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2008-11-07

Ainda sobre o que é o Rendimento Básico?

O RB é uma quantia paga pelo estado a cada membro de pleno direito da sociedade ou residente, incluindo aqueles que não trabalhem de forma remunerada, sem ter em consideração se é rico ou pobre, ou, dito de outra forma, independentemente de outras fontes de rendimento que possa ter, e independente do tipo de coabitação.

Por estado, poder-se-á referir uma instituição jurídico-política diferente dos estados realmente existentes. Um exemplo poderia ser a União Europeia.

Entre os membros de pleno direito, poderá estabelecer-se uma diferença entre adultos e menores na quantia a disponibilizar. Na maioria dos casos, contudo, o RB será distribuído às pessoas individual e universalmente, e sem condições.

O RB não implica uma contrapartida em trabalho assalariado. É muito comum interpretar-se “trabalho” como sinónimo de “trabalho remunerado” ou de “emprego”. No entanto, será mais proveitoso considerar-se, quando se fala em trabalho, uma interpretação mais alargada. 1 – Trabalho remunerado pelo mercado; 2 – Trabalho doméstico; e 3 – Trabalho voluntário, comunitário.

O RB é diferente dos subsídios condicionados por um nível de pobreza ou por situação (deficiências, emprego, …), é concebido como um direito de cidadania, exclui qualquer outra condição. À semelhança do sufrágio universal como direito de cidadania, a proposta de RB não impõe condições adicionais aos de cidadania.

O RB não favorece qualquer tipo de convivência ou coabitação. Quer se trate de um casal heterossexual ou homossexual, pessoas de diferentes gerações, um grupo de amigos vivendo em coabitação, todas as formas de convivência são irrelevantes pois o RB é individual, independente do sexo, religião ou orientação sexual.

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2008-11-06

Desapareceria a pobreza?

Com um RB constituído por uma quantia superior ao limiar da pobreza, não há dúvida que esta desapareceria. Além disso, o RB contribuiria para atacar com maior eficácia as causas não económicas da exclusão social.

Do ponto de vista estatístico, uma pessoa é considerada pobre se os seus rendimentos forem inferiores a 60% do rendimento médio da comunidade em que se integra – esta é a definição proposta pela União Europeia. Por isso, com a implantação de um RB superior ao limiar da pobreza assim definido, a quase totalidade da população ficaria indubitavelmente liberta da situação de pobreza. Evitar-se-iam, com o RB, situações sociais, familiares e pessoais negativas geradas pela ausência de meios económicos suficientes para suportar uma vida digna em sociedade.

No entanto, a exclusão e a discriminação sociais podem ser agravadas por questões psicológicas e ou físicas, e por situações como o alcoolismo ou outras toxicodependências, que com a existência de um RB adequado poderiam ser mais eficientemente tratadas pelo sistema de apoio social. Actualmente, este apoio centra-se na maior parte dos casos na gestão e administração dos subsídios recebidos pelas pessoas envolvidas nestas situações, afastando-se pelo menos parcialmente dos seus reais objectivos, fazer frente aos problemas referidos e dar resposta às dificuldades pessoais destes grupos geradas pela exclusão.

Mas deve ter-se sempre presente que a pobreza não é só privação e carência materiais. É também dependência do arbítrio e da ganância de outros, perda de auto-estima, isolamento e compartimentação social.

Um RB adequado fortaleceria a liberdade da cidadania, tornaria os pobres mais capazes de forjar de um modo autónomo as bases materiais da sua existência social.

(Este texto constitui uma adaptação de formulações retiradas de documentos da Red Renta Basica) Continuar leitura!

2008-11-05

Uma proposta para os EUA

Segue-se um "plano Cook" para "salvar a economia norte-americana". O seu autor é Richard C. Cook cujo sítio poderá ser procurado nas ligações. O texto donde é extraído este plano encontra-se aqui.

"1. Títulos isentos de impostos deverão ser emitidos ao ritmo de $1.000 por mês para cada adulto e $500 por criança que deverão ser utilizados para alimentação, habitação, combustível, comunicações, bens necessários, e serviços educativos fornecidos por instituições dentro dos EUA.A distribuição dos títulos poderá ser delegada às administrações estatais e locais.

2. Os títulos serão depositados pelos fornecedores de serviços e comerciantes exclusivamente numa nova rede de bancos de poupança locais - um em cada região dos EUA. Os depósitos serão efectuados no banco pertencente à região do ponto de venda.

3. Os bancos procederão localmente a empréstimos à taxa zero utilizando os depósitos em títulos como capitalização. Os bancos poderão proceder a empréstimos com o ratio de 1/10 para reservas, pagando os mutuários somente taxas administrativas. Os mutuários deverão providenciar uma caução de 20% ou fazer um seguro do empréstimo a 2%.

4. Os empréstimos serão concedidos unicamente a empresas, incluindo firmas comerciais ou familiares, que operem na região."
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2008-09-16

Outros Instrumentos de financiamento

A outra vertente do financiamento tem a ver com a utilização de instrumentos financeiros desenvolvidos e aperfeiçoados nos últimos 50 anos. Moedas alternativas e solidárias, cartões de crédito, permitirão financiar em parte muito significativa o sistema. Obrigando todavia a um controle estatal estreito da actividade bancária. No entanto, a necessidade de tal controle apertado é hoje universalmente reconhecido após a crise financeira que desde há um ano se declarou nos EUA arrastando todo o mundo. Continuar leitura!

2008-09-11

Como financiar

Existem duas vias principais, concorrentes, para o financiamento desta medida: fiscal e financeira. Centremo-nos, em primeiro lugar, no financiamento através de uma reforma do sistema fiscal (IRS). Consideremos as linhas mestras de tal reforma baseando-nos no estudo efectuado na Catalunha.

O princípio primeiro é que o RUC é pago directa e incondicionalmente a cada pessoa, na sua totalidade aos adultos, e metade aos menores de 18 anos. Todos os subsídios e pensões de carácter público serão substituídos pelo RUC, se forem inferiores. Ou, no caso de serem superiores, o RUC será integrado naquele montante, que se mantém inalterado.

Por outro lado, o montante do RUC é definido a partir do que se considera como o mínimo necessário para uma vida digna, e poderemos considerar como referência o Salário Mínimo Nacional. Por facilidade de exposição, tomaremos para RUC os 500 euros mensais – 6000 euros anuais, para adultos, 250 euros para menores de 18 anos.

O RUC está totalmente livre de impostos, estabelecendo-se uma taxa única para todos os rendimentos superiores – cerca de 50% -, e eliminando-se todo o tipo de desagravamento fiscal.

Com base no estudo acima citado, a reforma do IRS com base nas linhas apontadas auto-financiaria o RUC. Tendo tido acesso a uma base de mais de 200000 declarações de imposto da Catalunha, as simulações a partir destes dados permitiram concluir pela viabilidade do RUC sendo que 70% da população – de rendimentos mais baixos - seria beneficiada com estas medidas, 15% não alteraria significativamente os seus rendimentos; os 15% com rendimentos mais elevados iriam baixar mas manteriam ainda assim rendimentos bem elevados.

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2008-09-09

O que é o Rendimento Universal de Cidadania

Renda garantida incondicionalmente pelo Estado a todos os cidadãos de forma individual, independente do género, dos recursos materiais de que possa dispor ou da realização de qualquer tipo de actividade remunerada.

Resultará claro que a adopção desta medida tem alcance bem maior que do que um combate estrito à pobreza, aponta em primeiro lugar para o estabelecimento de facto da base material da liberdade real das pessoas, é um direito básico de cidadania. Mas constitui um mecanismo de redistribuição que contribuirá decisivamente para as políticas sociais necessárias numa situação de persistência de grande nível de desemprego e de precariedade do trabalho, de pobreza e de desigualdade de género. Isto num quadro de falhanço das medidas de carácter assistencial que têm vindo a ser promovidas pelos governos e outras instituições não governamentais usualmente de carácter confessional, que antes de mais promovem em lugar de eliminar a estigmatização que acompanha essas situações.
E, além do mais, é perfeitamente possível concretizá-la. Haja vontade política. E relação de forças adequada.
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2008-09-08

Rendimento Universal de Cidadania

Duas notícias praticamente simultâneas: o estado da pobreza em Portugal nos dados do INE e a nacionalização dos dois maiores sistemas hipotecários americanos. Tendo em conta que os últimos números sobre a situação dos salários (e do desemprego) em Portugal acompanham de facto as tendências nos diferentes países ocidentais, e que a nacionalização referida é tão só mais um episódio das nacionalizações mais ou menos encapotadas a ocorrer no sistema bancário ocidental, poder-se-ia concluir que estas notícias constituiriam o obituário das teorias liberais na economia dos últimos 30 anos. E sê-lo-ia se existisse alguma racionalidade na economia para além da que decorre da luta permanente entre interesses sociais diametralmente opostos.

Quais as respostas a estas questões?

As forças da direita avançam as do costume: o estado deve assumir os prejuízos do sistema bancário, sanear a situação e, quando saneada, deixar novamente a gestão a quem de direito. A crise resolvida, deve continuar-se com a criação da riqueza que poderá, depois de criada, permitir distribuir o necessário para minorar os índices de pobreza.

E a esquerda?

Os socialistas, cuja direcção actual é bastante permeável aos interesses envolvidos na crise financeira, aceitam no fundamental as políticas avançadas pela direita. O seu discurso não se distingue nesta área dos da direita. (Exemplo: Candal em debate na SIC).

O PC e o BE avançam com proclamações contra o desemprego, a precariedade e os baixos salários, não traduzindo estas proclamações em algo de mais concreto que a defesa do pleno emprego e o controlo do capital financeiro.

No entanto, torna-se necessário responder com medidas programáticas que coloquem as questões no seu cerne: o lucro capitalista não pode deixar de ser destrutivo e predador. A medida central deste programa de resposta radical é o Rendimento Universal de Cidadania, combinada com uma reforma adequada do IRS e IRC e um sistema de medidas de controlo da actividade bancária.

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